Neste sábado, peguei a Via Dutra e fui em direção a Guaratinguetá, conhecer uma das figuras mais importantes e emblemáticas da cidade: Seu Agostinho, doceiro, fazedor de pilão, cozinheiro de mão cheia, contador de causos, inventor, colecionador e acima de tudo um homem cheio de alegria e histórias sobre a alimentação do Vale do Paraíba. Nem preciso dizer que tive uma aula! Saí de lá depois de 6 horas de conversa, 12 cervejas e um prato do melhor torresmo que se pode comer, sequinho e muito saboroso. Sem contar que depois de uma prosa desse tamanho, não tem como não sair de lá transformada...
Doces:
Seu Agostinho é profundo conhecedor da história dos doces na cultura brasileira. Me contou da influência dos árabes na doçaria portuguesa, africana e por fim na brasileira.
A influência do trigo na mistura com o ovo e o leite foi introduzido no Brasil pelos portugueses, que também tiveram a influência da doçaria moura na cultura lusitana. Os mouros utilizavam o gergelim, o mel, o trigo e ovos para a base de quase todos os doces produzidos por eles.
Os árabes exerceram grande influência na África Oriental, que com o tráfico de escravos, trouxeram negros que também produziam doces a base de mel e gergelim. Com a chegada deles em terras brasileiras, esses doces foram se transformando, sendo então, utilizados ingredientes encontrados e produzidos aqui, como por exemplo figo, mamão, abóbora e outras frutas. Claro que com a produção do açucar nos engenhos, os europeus se transformaram em grandes consumidores desta iguaria.
Segundo Seu Agostinho, um dos doces produzidos no Vale do Paraíba, no século 18, que se perdeu no tempo é "Furrundum", feito com cidra ou mamão verde ralados e cozidos, juntamente com melado e gergelim.
A história do doce na vida do Seu Agostinho começa com seus avós. Segundo ele, seu avô teve 35 filhos, 16 do primeiro casamento, 16 do segundo com sua avó e "03 por fora". Seu avô, João Imbuába (sobrenome que adquiriu da população local porque ele se vestia como os franceses: cobertos dos pés a cabeça, semelhante as aves: com o corpo coberto de penas) é descendente de europeus, morava em Parati e se casou com Dona Maria em 1919. Subiu a serra e veio parar em Guaratinguetá, dono de muitas terras era plantador de café. Com a crise internacional de 1929, os doces entraram na história da familia pra ajudar o orçamento familiar, já que o avô sofreu um AVC e então Dona Maria teve que tomar as rédeas da familia.
Sua mãe, herdou o conhecimento da doçaria e durante anos sobreviveu fazendo e vendendo doces na cidade. Seu Agostinho, cresceu vendo e ajudando a mãe no preparo. Já adulto, iniciou a Faculdade de Engenharia Elétrica, mas largou os estudos pra levar adiante a tradição familiar na doçaria e atualmente produz mais de 40 tipos de doces.
Salgados
Além do doces e do delicioso torresmo que tive a sorte de poder saborear, Seu Agostinho também resgatou na região, a arte de fazer a Paçoca, principalmente a de Carne Seca.
A paçoca é um prato típico da alimentação indígena, e se refere a qualquer coisa que se bate no pilão. A palavra "Paçoka" é de origem tupi guarani e significa amassado, esmigalhado, pisado.
Segundo Seu Agostinho, o ato de pilar adianta um processo que seria feito pela mastigação e pelo estômago, melhorando a digestão, além de despertar o sabor. Desta forma, quando se pila o alimento, as propriedades gustativas são melhor apreciadas pelo palato, fazendo com que a gente saboreie com mais intensidade o alimento. Além da Paçoca de carne seca, ele também faz a de peixe e de bacalhau.
Não tive a sorte de provar a paçoca, mas como ele tem uma banca no centro da cidade e todo sábado está lá pilando, já está marcado na agenda dos próximos fins de semana uma nova vista.
O inventor, o colecionador, o contador de causos, o literato, o homem.
Seu Agostinho é uma personalidade! Contador de Causos, tinha voltado de um canal de TV regional em que havia participado contando causos e distribuindo pra platéia o feijão tropeiro preparado por ele na noite anterior. Fez sucesso! Durante minha estada em sua casa, várias visitas chegavam orgulhosos de sua participação do programa.
Durante toda nossa prosa, ele citou várias personalidades como Vinícius de Moraes, Wilson Batista, Paulinho da Viola e claro historiadores, antropólogos e teóricos que se dedicaram ao tema da alimentação, como Câmara Cascudo, Gilberto Freyre e Fialho de Almeida. Ele faz palestras em faculdades e gastronomia, convidado de chefs e pesquisadores da culinária regional.
Homem de grande senso de humor, bom de copo, no próximo ano será enredo de Escola de Samba. É um colecionador de instrumentos da cozinha antiga, digno de um museu. Também coleciona serrotes, e possui em casa uma marcenaria em que produz e vende Pilões.
Seu Agostinho, é avô coruja da neta Maria Julia, companheiro há mais trinta anos de Dona Cida, pessoa excepcional que o acompanha na cerveja, no trabalho e na vida. É um homem que cultiva amizades duradouras - enquanto estive lá, recebeu a visita de um amigo dos tempos da faculdade que faz questão de manter próximo.
O Mestre
Seu Agostinho é daquelas pessoas que dá vontade de querer sempre por perto. Tem opinião forte, não tem papas na língua pra dizer o que pensa, é enérgico com as palavras e com as suas atitudes. Desses homens que ensinam com seu exemplo de vida. Tive o privilégio de conhece-lo e nesta prosa, tive direito a várias receitas ( inclusive uma secreta que não conto nem com reza braba!). Seu Agostinho é um Mestre!
Muito obrigada Seu Agostinho!
Em tempo: Agradecimento especial a Lêssandra e sua filha linda Catarina, que me apresentaram ao Seu Agostinho e me receberam em sua casa com amor e carinho!
UPDATE: navegando achei o blog do Seu Agostinho, tá aqui ó: http://agostinhodapacoca.blogspot.com/
e foi lá que percebi que na verdade o sobrenome dos avós é EMBOAVA e não Imbuava como tá no texto.
UPDATE: navegando achei o blog do Seu Agostinho, tá aqui ó: http://agostinhodapacoca.blogspot.com/
e foi lá que percebi que na verdade o sobrenome dos avós é EMBOAVA e não Imbuava como tá no texto.
Vivi, parabéns, o trabalho está ficando cada vez mais consistente!!! Beijos e saudades, sempre.
ResponderExcluirVivi! Vc não ensina a receita secreta, mas bem que podia convidar a gente para degustar!
ResponderExcluirBjo
gostaria de saber o endereço da fabrica no bairro santa rita
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