28 de novembro de 2011

Seu Agostinho, doceiro e inventor!

Neste sábado, peguei a Via Dutra e fui em direção a Guaratinguetá, conhecer uma das figuras mais importantes e  emblemáticas da cidade: Seu Agostinho, doceiro, fazedor de pilão, cozinheiro de mão cheia, contador de causos, inventor, colecionador e acima de tudo um homem cheio de alegria e histórias sobre a alimentação do Vale do Paraíba. Nem preciso dizer que tive uma aula! Saí de lá depois de 6 horas de conversa, 12 cervejas e um prato do melhor torresmo que se pode comer, sequinho e muito saboroso. Sem contar que depois de uma prosa desse tamanho,  não tem como não sair de lá transformada...

Doces:

Seu Agostinho é profundo conhecedor da história dos doces na cultura brasileira. Me contou da influência dos árabes na doçaria portuguesa, africana e por fim na brasileira. 
A influência do trigo na mistura com o ovo e o leite  foi introduzido no Brasil pelos portugueses,  que também tiveram a influência da doçaria moura na cultura lusitana. Os mouros utilizavam o gergelim, o mel, o trigo e ovos para a base de quase todos os doces produzidos por eles.  
Os árabes exerceram grande influência na África Oriental, que com o tráfico de escravos, trouxeram negros que também produziam doces a base de mel e gergelim. Com a chegada deles em terras brasileiras, esses doces foram se transformando, sendo então, utilizados ingredientes encontrados e produzidos aqui, como por exemplo figo, mamão, abóbora e outras frutas. Claro que com a produção do açucar nos engenhos, os europeus se transformaram em grandes consumidores desta iguaria.
Segundo Seu Agostinho, um dos doces produzidos no Vale do Paraíba, no século 18,  que se perdeu no tempo é "Furrundum", feito com cidra ou mamão verde ralados e cozidos, juntamente com melado e gergelim.

 

A história do doce na vida do Seu Agostinho começa com seus avós. Segundo ele, seu avô teve 35 filhos, 16 do primeiro casamento, 16 do segundo com sua avó e "03 por fora". Seu avô, João Imbuába (sobrenome que adquiriu da população local porque ele se vestia como os franceses: cobertos dos pés a cabeça, semelhante as aves: com o corpo coberto de penas) é descendente de europeus, morava em Parati e se casou com Dona Maria em 1919. Subiu a serra e veio parar em Guaratinguetá, dono de muitas terras era plantador de café. Com a crise internacional de 1929, os doces entraram na história da familia pra ajudar o orçamento familiar, já que o avô sofreu um AVC e então Dona Maria teve que tomar as rédeas da familia.
Sua mãe, herdou o conhecimento da doçaria e durante anos sobreviveu fazendo e vendendo doces na cidade. Seu Agostinho, cresceu vendo e ajudando a mãe no preparo. Já adulto, iniciou a Faculdade de Engenharia Elétrica, mas largou os estudos pra levar adiante a tradição familiar na doçaria e atualmente produz mais de 40 tipos de doces. 



Salgados

Além do  doces e do delicioso torresmo que tive a sorte de poder saborear, Seu Agostinho também resgatou na região,  a arte de fazer a  Paçoca, principalmente a de Carne Seca. 
A paçoca é um prato típico da alimentação indígena, e se refere a qualquer coisa que se bate no pilão. A palavra "Paçoka" é de origem tupi guarani e significa amassado, esmigalhado, pisado. 
Segundo Seu Agostinho, o ato de pilar adianta um processo que seria feito pela mastigação e pelo estômago, melhorando a digestão, além de despertar o sabor. Desta forma, quando se pila o alimento, as propriedades gustativas são melhor apreciadas pelo palato, fazendo com que a gente saboreie com mais intensidade o alimento. Além da Paçoca de carne seca, ele também faz a de peixe e de bacalhau. 
Não tive a sorte de provar a paçoca, mas como ele tem uma banca no centro da cidade e todo sábado está lá pilando, já está marcado na agenda dos próximos fins de semana uma nova vista.


O inventor, o colecionador, o contador de causos, o literato, o homem.

Seu Agostinho é uma personalidade! Contador de Causos, tinha voltado de um canal de TV regional em que havia participado contando causos e distribuindo pra platéia o feijão tropeiro preparado por ele na noite anterior. Fez sucesso! Durante minha estada em sua casa,  várias visitas chegavam orgulhosos de sua participação do programa.
Durante toda nossa prosa, ele citou várias personalidades como Vinícius de Moraes, Wilson Batista, Paulinho da Viola e claro historiadores, antropólogos e teóricos que se dedicaram ao tema da alimentação, como Câmara Cascudo, Gilberto Freyre e Fialho de Almeida. Ele faz palestras em faculdades e gastronomia, convidado de chefs e pesquisadores da culinária regional.
Homem de grande senso de humor, bom de copo,  no próximo ano será enredo de Escola de Samba. É um colecionador de instrumentos da cozinha antiga, digno de um museu. Também coleciona serrotes, e possui em casa uma marcenaria em que produz e vende Pilões.
Seu Agostinho, é avô coruja da neta Maria Julia, companheiro há mais trinta anos de Dona Cida, pessoa excepcional que o acompanha na cerveja, no trabalho e na vida. É um homem que cultiva amizades duradouras -  enquanto estive lá, recebeu a visita de um amigo dos tempos da faculdade que faz questão de manter próximo. 

 

 


O Mestre

Seu Agostinho é daquelas pessoas que dá vontade de querer sempre por perto. Tem opinião forte, não tem papas na língua pra dizer o que pensa, é enérgico com as palavras e com as suas atitudes. Desses homens que ensinam com seu  exemplo de vida. Tive o privilégio de conhece-lo e nesta prosa, tive direito a várias receitas ( inclusive uma secreta que não conto nem com reza braba!). Seu Agostinho é um Mestre!
Muito obrigada Seu Agostinho!




Em tempo: Agradecimento especial a Lêssandra e sua filha linda Catarina, que me apresentaram ao Seu Agostinho e me receberam em sua casa com amor e carinho!

UPDATE: navegando achei o blog do Seu Agostinho, tá aqui ó: http://agostinhodapacoca.blogspot.com/
e foi lá que percebi que na verdade o sobrenome dos avós é EMBOAVA e não Imbuava como tá no texto. 

21 de novembro de 2011

O Pão nosso de cada dia!

Sempre gostei de pão. Nego os brigadeiros, os suspiros, as bombas de chocolate, mas o pão é um alimento que não consigo ficar sem. Meu corpo necessita dos açucares dos carboidratos. Há alguns meses quando comecei a pensar na alimentação com mais responsabilidade e com planos para que num futuro próximo eu pudesse vir a ser uma cozinheira de fato, dei início a uma grande mudança na minha alimentação, sem abrir mão do sabor, pois é ele que faz a conexão entre a comida e memória. Quem não se lembra de uma comidinha simples a beira do fogão com quem amamos, com aquele sabor inigualável?
Pois bem, além de comer da minha própria comida, resolvi agora fazer meus próprios pães. E passei a ler sobre eles, a estudá-los, a entender os processos do trigo, do fermento, enfim  a compreender a técnica da panificação. Estou só engatinhando ainda, mas quero levar adiante essa história.
O pão sempre teve um significado muito forte na história do homem e de sua evolução. Segundo alguns estudos o pão nasceu praticamente junto com o controle do homem sobre o fogo. No Egito os homens colocavam uma massa em cima de pedras em alta temperatura, quando a massa secava ela se transformava numa espécie de bolacha. No início os pães eram uma mistura de grãos e água. Com o tempo foi se juntando a isso, ervas, temperos e outros ingredientes e por fim temos hoje uma infinidade de pães. Com as trocas comerciais entre os egípcios e gregos os pães se popularizaram e padarias publicas foram abertas, que recebiam os nome de lares - daí provem a palavra lareira.
No Brasil, apesar de já se ter conhecimento do pão desde a chegada dos portugueses, o pão se popularizou somente no século XIX, pois o trigo não estava presente no cotidiano do homem brasileiro que anteriormente consumia a farinha mandioca e de milho.
Enfim, neste domingo de sol e calor, passei o dia numa cidadezinha do Vale do Paraíba, chamada São Bento do Sapucai, este lugar tem se tornado uma espécie de segunda casa, uma vez que pessoas muito queridas e que de certa forma são minha segunda família tem me recebido com tanto carinho e acolhimento.
Fiz duas receitas de pão, uma de fubá pra não perder a veia caipira, e outra integral com nozes. Não fiz com uma receita exata, uma vez que li várias receitas e como disse anteriormente, tentei entender os processos e técnicas pra depois literalmente colocar a mão na massa. Vou tentar repassar aqui esta experiência.

Pão integral:

02 medidas de trigo integral
01 medida de trigo branco
01 medida de gérmen de trigo
01 colher de chá de sal
01 colher de sobremesa de açucar
45 gr.  de fermento biológico
100 gr de manteiga em temperatura ambiente
Água em quantidade suficiente pra deixar envolver a massa

Comecei misturando o fermento com o açucar e umas colheres de trigo. Logo em seguida coloquei a manteiga, o ovo, o sal, e os demais ingredientes secos. Depois fui colocando água e sentindo a massa se envolver de modo que quando a massa começasse a desgrudar das mãos, eu tirei ela da tijela e coloquei sobre a mesa com a superfície enfarinhada e fiquei sovando durante alguns minutos até sentir a massa totalmente maleável e firme.
Deixei descansar por mais ou menos duas horas debaixo do sol, pra que o fermento pudesse agir. Depois deste tempo sovei a massa novamente e coloquei nozes picadas. Deixei descansar mais uns 40 minutinhos ao sol e forno médio por mais ou menos 30 minutinhos.



Pão de Fubá

02 medidas de trigo branco
01 medida de fubá
45 gr. de fermento biológico
01 colher de chá de sal
01 colher de sobremesa de açucar
01 ovo caipira
100 gr de manteiga em temperatura ambiente
Água em quantidade necessária pra deixar envolver a massa.

O modo de fazer foi igual ao do pão integral. Com o mesmo tempo de descanso ao sol, sovando e descansando. Só que na segunda sova, não acrescentei nenhum outro ingrediente.




Fiz duas massas do Pão de Fubá, uma com uma fubá industrializado, mais fino. Essa massa ficou mais leve, mas não tão gostosa assim. A outra fiz com um fubá da terra, mais grossa que ficou bem mais amarelinha, só que um pouco mais pesada.





Importante saber: O fermento biológico é um microorganismo vivo que para reagir precisa de glicose  (por isso a importância do açucar) e tem o calor como aliado nessa reação. Quem já não ouviu dizer que em dias de frio não pode fazer pão, porque ele não cresce?

P.S.1: Esse lugarzinho em São Bento que me acolhe é também uma pousada. Simples e aconchegante, se chama Pousada Nasa. Seu Donizete e Dona Sandra cuidam de todos os detalhes de um jeito especial. Se quiserem mais informações,  aqui vão os links:

P.S.2: Aproveitei que estava com faca e o queijo na mão, digo o trigo, a água e o forno na mão e fiz uma torta de alho poró com tomates. Segue a fotinha, porque eu acho que foi a torta mais bonita que eu fiz e também porque segundo os comensais presentes ficou divina! Mas a receita eu passo outro dia, certo?
           
           


Bom, e depois de tudo isso fui tomar um banho de cachoeira, porque eu acho mais que merecido!

Evoé!

7 de novembro de 2011

Biscoito de Polvilho Frito


A comida além de ser o combustível do corpo e o que nos mantém em pé e com forças pra dar conta do cotidiano, também é um elemento de socialização cultural, portanto carrega a nossa memória,  afetos e desejos. 
Os sabores, os aromas, o jeito de fazer de cada comida me remete sempre ao ritual  de convivência, de criação de vínculos, (ainda que o cotidiano e a rotina desvairada do mundo contemporâneo façam de tudo pra acabar com isso!). 
Quando pensamos numa comida que fez parte de nossa história, sempre nos lembramos da pessoa que fazia aquele prato, de como nos relacionávamos com ela, do sabor e do clima  da casa durante seu preparo, das conversas em volta da mesa enquanto o alimento era partilhado, enfim, a comida é o ponto de ligação, um tipo de conexão muito precisa, pois aguça os sentidos e nos sensibiliza para o ato de compartilhar. Compartilhar o alimento em si, mas também as idéias, os desejos, as angústias e os sentimentos.
A receita de hoje é uma das mais claras e bonitas lembranças que tenho de minha família. É nas tardes de domingo com todos reunidos, que minha vó exibe toda o seu amor pelos filhos, netos e agora bisnetos. Cada biscoito era e continua sendo disputado à tapa entre eu e meus primos. Risadas, sorrisos e brincadeiras em volta do tacho pra enrolar os bolinhos. Uma festa!

Com o início da pesquisa sobre a comida caipira, uma das primeiras receitas que pensei em registrar foi essa. Foi então que num desses fins de tarde, pedi a minha vó pra fazer a receita para que eu pudesse fazer o registro em fotos. Mas como neste caso, existe uma ligação simbólica e de amor incondicional, acabei tentando transportar esse registro a um formato mais emocional. O resultado é este vídeo:



Informações:


O biscoito de polvilho é uma receita típica das cozinhas caipira e mineira.

Nesta receita o biscoito não é assado como a maioria dos que a gente encontra por aí atualmente e sim, frito.  Mas colocado na na gordura fria, que vai esquentando junto com os biscoitos, pois segundo minha vó, se colocá-los na gordura quente, eles estouram.

A base do biscoito de polvilho como o próprio nome diz é o polvilho azedo que dá a maciez e leveza pra essa receita que mesmo frita, fica sequinha e leve.

A receita é simples, leva farinha de milho - um dos principais alimentos da dieta do homem caipira, herdado da cultura indígena, polvilho azedo que funciona como amido na receita, ovo caipira (de preferência), água e sal.

Pesquisando em alguns livros e sites, existem variações de nomes e alguns ingredientes, mas a base é a mesma. Em algumas cidades do Vale do Paraíba, o biscoito de polvilho ganha o nome de bolinho de farinha frito.  

Também encontrei registros do biscoito de polvilho frito na culinária cuiabana.



Bom, é preciso dizer que é uma primeira experiência com esse material, por isso é importante o feedback de quem assistiu pra que a gente possa melhorar se for fazer outros...Espero que gostem. Bom apetite!!!