30 de outubro de 2011

Viagem pelo Vale do Paraíba

Tempo sem postar nada por aqui. Explico: Mudei de cidade, mudei de emprego, mudaram coisas importantes dentro de mim. Virei outra. Estas mudanças precisavam ser reformuladas, precisei de tempo pra digerir tudo isso e organizar algumas pretensões minhas com relação a arte de fazer e saborear a comida.
Saí de São Paulo, voltei pro interior. Pra uma cidade não tão pequena, mas que tem o que de melhor poderia me oferecer para o que busco com relação a culinária: a localização. Estou morando novamente em São José dos Campos, maior cidade do Vale do Paraíba, encravada entre a  Serra da Mantiqueira, Litoral Norte e Sul de Minas.

Desde muito pequena, me encantei com os processos e a alquimía da cozinha. O milho que virava pamonha, a jabuticaba que se transformava em geléia, a água e o trigo que juntos cresciam e iam pra mesa como pão quentinho e saboroso. Mas todo esse processo sempre estava carregado de vínculos e emoções. Foi com o processo da pamonha que todo ano era feito em casa, com a participação dos homens e mulheres da familia que conheci as histórias de vida de meus avós e meus pais, pois enquanto se passava o dia ralando e cozendo o milho, essas histórias eram contadas e comentadas por eles.
Nos meses de setembro, com o pé de jabuticaba do quintal de casa carregado, os vizinhos passavam a tarde colhendo e chupando aquele fruto negro e doce, e partilhavam com minha mãe seus sonhos, objetivos e desejos.

Comida é memória. E a cozinha,  como disse Levi Strauss, "é o lugar simbólico em que se dá a passagem da natureza e a cultura". É desta forma que concebo a culinária e seus desdobramentos, o homem é aquilo que come e a maneira como ele come e prepara o que come nos conta um bocado das coisas que ele vive.

Iniciei neste fim de semana, uma expedição. Uma viagem pelas cidades desse Vale do Paraíba, pra conversar com quem pode me ensinar a cozinhar, com quem tem as mãos, boca e olhos atentos pra cada tempero que encontra, com quem tem a sabedoria pra enfrentar as panelas e saborear a comida simples e cheia de histórias que narram o modo de vida do homem caipira, do homem que trotou carregando no lombo das mulas a riqueza que modificou o país, das mulheres que aprenderam com a necessidade cotidiana a criar pratos saborosos e substânciais pra alimentar seus filhos e maridos nas viagens tropeiras. Dos homens e mulheres que fazem doces, moqueam a carne, assam o porco, plantam as verduras e legumes que comem.

Faço à vocês que chegaram até aqui, um convite. Um convite pra olhar e conhecer comigo a comida do Vale do Paraíba e entender melhor a alma e o jeito de viver dessa cultura tão rica e cheia de memória.

Pra iniciar esta viagem, fui até Lagoinha. Cidadezinha de 5 mil habitantes, que fica entre Cunha e São Luís do Paraitinga,  carregada de festas cristãs - ao todo são 26 festas ao ano! Tendo como ponto alto a Festa do Divino que acontece todos os anos no mês de Julho. Lá me encontrei com João Rural, jornalista, culinarista e pesquisador da comida caipira. Tivemos um papo saboroso, regado a cachaça produzida na cidade, com direito a fazer e degustar uma das iguarias mais importantes e emblemáticas do Vale, o Bolinho Caipira.

Em Lagoinha tem uma cachoeira chamada Cachoeira Grande. Linda! Antes passei por lá, o dia estava lindo e quente, perfeito para um mergulho!


A História do Bolinho Caipira:

Muitas são as histórias desse bolinho feito com massa de farinha de milho frito recheado com carne. Conta-se que inicialmente o bolinho caipira era recheado com lambari, por isso o formato comprido e arredondado. Com o tempo a linguiça de porco incorporou o recheio, e hoje em muitas cidades é recheado com carne moída.
O bolinho caipira é feito em várias cidades do Vale, as receitas variam de lugar pra lugar. Em Jacareí, é feita com farinha de milho branca (que dá mais liga à massa) recheada com linguiça, em Caçapava é feita com carne moída envolvida na massa e em São José é feita com farinha de milho amarela, recheada com carne moída crua temperada com muito limão.

João Rural, me convidou pra fazer uma receita e, enquanto a gente "proseava" botamos a mão na massa, a receita que fizemos foi essa:

500 gr de farinha de milho branca,
Água fervida com cheiro verde picado, caldo de galinha e sal.
Recheio:
Linguiça de porco sem a pele e amassada com o garfo pra soltar os gomos.

Coloque numa vasilha toda a farinha e vá colocando água. A medida de água, segundo João Rural é "a zóio", ou seja, tem que ir colocando água, misturando à farinha até sentir que vira uma massa firme, em que dê pra formar os bolinhos com as mãos.
Assim que a massa estiver no ponto, faça pequenas bolinhas, e com o dedo indicador afunde o centro, coloque um bocado de linguiça dentro, feche e com as duas mãos aperte pra que ele fique comprido, arredonde as pontas. Frite em óleo bem quente até que fiquem sequinhos.














Curiosidades:

 - Atualmente o bolinho caipira é servido tradicionalmente nas festas juninas na região ( Pra mim é inconcebível festa junina sem bolinho caipira. Nestes anos em São Paulo, sempre que participava de festas juninas, achava que não era a mesma coisa sem ele!rs)

- Segundo  João Rural, a farinha de milho amarela começou a ser produzida somente no final do século 19, inicialmente pra alimentar o gado, por isso ela é tem mais proteínas e vitaminas. Hoje ela é mais popular e portanto mais barata. O bolinho caipira também pode ser feito com ela, mas aí é necessário acrescentar um pouco de farinha de mandioca à massa pra ela dar liga e não estourar na hora de fritar.

- Pra saber um pouco mais das histórias do João Rural, ele tem a TV Chão Caipira. Lá tem receitas e textos sobre a alimentação no Vale. Vale a visita!


Em tempo: agradeço a Cida Ceciliano do SESC São José dos Campos, que proporcionou este encontro por meio do projeto de turismo social, Roteiros e Sabores. Ao grupo Orgulho Caipira capitaneado pelo Amarildo, que fez um som bonito e contou um tantão de coisas sobre a cidade e ao Ralf e Celina que nos receberam de braços abertos na Fazenda Crystal, lugar aconchegante  e claro, ao João Rural que fez com que eu voltasse pra casa com a sensação de que estou no caminho certo! 

6 comentários:

  1. Viviani,
    que grata surpresa conhecer seu blog através da minha irmã Biba. Imprescindível o seu trabalho. Parabéns! Um abraço, N

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  2. Oi Neide, obrigada!
    Ah, frequento o seu blog há um tempo, e aprendo muito contigo!!
    Abração!

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  3. Gostei muito do seu blog, vou tentar qualquer dia fazer alguma das suas receitas. Você conhece o Pequi? Ele é um fruto delicioso.

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  4. Pequi, é aquela frutinha cheia de espinhos e extremamente saborosa...uma vez comi um pato com pequi que uma amiga de goias fez! nunca mais vou esquecer!!
    Seja Bem vindo, pequi pensante...e quando fizer as receitas, volta pra contar como foi, ok?
    Vou lá no seu espaço, pra te visitar!
    abraço!

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  5. Agradeço pela visita lá no blog, é sempre bom receber visitas. O pequi é sim esta fruta que você relatou, saborosa e cheia de espinhos.Por aqui ele é fonte de emprego e mata a fome de muita gente nesta época do ano.As pessoas comem ele com farinha ou refogado dentro do arroz.O pequi de GO tem um sabor diferente daqui, mas se vc gostou é por que estava muito bom.
    Abraço

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  6. Viviani, que delícia! Gostei muito, teremos muitas informações para trocar. Eu também sou mineira e filha de mineira, em suma, adoro essa comida caipira. Continue, muito bacana sua iniciativa e obrigada pelo contato.
    Paz e bem!
    Sônia Gabriel

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